sexta-feira, 6 de julho de 2018

A PASTORAL URBANA

Tá vendo aquele edifício moço... Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição. Eram quatro conduções: duas prá ir, duas prá voltar. Hoje, depois dele pronto, óio pra cima e fico tonto, mas me chega um cidadão e me diz desconfiado: tu taí admirado ou tá querendo roubar... Meu domingo tá perdido. Vou pra casa entristecido, dá vontade de beber. E prá aumentar o meu tédio, eu não posso oiá pro prédio que eu ajudei a fazer. Tá vendo aquele colégio, moço... Eu trabalhei lá. Lá eu quase me arrebento, fiz massa, pois cimento, ajudei a rebocar. Minha fia inocente, vem pra mim toda contente: Pai,vou me matricular. Mas me diz um cidadão: criança de pé no chão aqui não pode estudar. Esta dor doeu mais forte, porque é que eu deixei o Norte... Eu me pus a me dizer. Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava, tinha o direito de colher. Tá vendo aquela igreja moço.... Onde o pastor diz amém. Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo, lá eu também trabalhei . Lá sim, valeu a pena (...) Foi lá que Cristo me disse: rapaz deixe de tolice não se deixe amedrontar. Fui eu quem criou a terra, enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar.
Ao se pensar na pastoral urbana, tem-se que pensar na salvação da cidade. A igreja atual é chamada a olhar a cidade como local da sua missão, percebê-la como casa daqueles por quem Jesus morreu para promover vida.
O texto escolhido como referencial para este reflexão foi retirado da tradição dos profetas, especificamente o primeiro Isaias, que atuou aproximadamente entre 740 e 700.
“Como se fez prostituta a cidade fiel! Ela que estava cheia de justiça; a retidão habitava nela, mas agora homicidas. A tua prata se tornou em escórias, o teu vinho se misturou com água. Os teus príncipes são rebeldes, companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno, e corre atrás de presentes. Não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles à causa das viúvas. Portanto diz o Senhor, o Senhor dos Exércitos, o Poderoso de Israel: Ah! Livrar-me-ei dos meus inimigos. Voltarei contra ti a minha mão; purificarei inteiramente as tuas escórias, e tirarei de ti toda impureza. Restituir-te-ei os teus juízes, como eram dantes, e os teus conselheiros, como antigamente. Então te chamarão cidade de justiça, cidade fiel”. Isaías 1.21-26
À medida que se observa que a vida garantida por Deus está sendo negada ao povo, há de buscar-se diretrizes que orientem a caminhada da Igreja, rumo a construção de uma Cidade Fiel, possibilitando que a vida seja plena e isso através da encarnação do Evangelho de Cristo até que o ser humano tenha plenas condições de relacionar-se com Deus e com o próximo em amor e justiça, desfrutando de todos os benefícios que a vida na cidade pode oferecer.
Enquadrar-se como espaço onde o ser humano tenha acolhida e força motivadora para a conquista de sua cidadania e vida plena garantida por Jesus Cristo, certamente colocam-se como desafios para a pastoral. Para tais responsabilidades, a Igreja Brasileira deve assumir paradigmas que sustentem e inspirem sua atuação na cidade, colocando-se como tentativa de contribuir no processo de construção da Cidade Fiel.
O texto de Isaías deve ajudar a Igreja Brasileira a ver que sua pastoral urbana deve ser libertadora e deve, necessariamente, começar pela percepção profética da realidade de nossas cidades que compõem o Brasil. Cria espaço para formular estratégias pastorais dando não somente a critica ácida e destrutiva, mas a que traz esperança, também profética, do perdão e da renovação efetuada por Deus, em benefícios dos Seus.
A igreja necessita, em sua pastoral, chorar a inexistência de uma cidade justa. Manter-se em descontentamento com a crise instaurada em nossos dias, tornando-se cúmplice e co-responsável da lógica opressora que assola nossos dias.
A atitude profética, enquanto voz de uma classe desfavorecida, deve inspirar e fundamentar a pastoral urbana. Em nosso País, a situação atual não muito diferente.
As nossas cidades são um palco de violência, roubo e injustiça. Vive-se um sacrifício diário de milhares de pessoas pobres que, na maioria das vezes, não tem mais a estabilidade garantida pelas famílias e se vêem sozinhas no caos injustiçado pela ideologia capitalista que concentra muitos bens nas mãos de uma minoria, desprezando e oprimindo a maioria, desprezando e oprimindo a maioria.
Nessa política de roubos, violência e injustiça, a postura da igreja pastora na cidade deve ser aquela do profeta denunciar os agentes da opressão, postar-se ao lado daqueles que tem sido marginalizados na cidade, obrigados a morar em cortiços, favelas e nas ruas da cidade, roubados no direito e na justiça; deve dar-lhes sentimento de pertença, colocar-se como uma comunidade que encarna suas lutas e rompe com o egoísmo da elite.
Isaías acredita na possibilidade de restauração da cidade. Esta é uma esperança que deve alimentar a pastoral da igreja na cidade. Deve-se evitar uma abordagem negativista, que não vê possibilidade de restauração.
A certeza de Javé em nossa luta deve inspirar a igreja a formar comunidades que confrontem as forças e faça com que se rendam. O protesto é legitimo e deve ser levado a frente. Os governantes corruptos que comprometem a vida e a justiça social devem ser afastados de seus cargos. Seus substitutos devem ser pessoas que levem a sério a luta do povo, governantes que direcionem seu labor na construção da Cidade Fiel. Daí a importância da Igreja aprender a votar nas urnas escolhendo pessoas que realmente apresentem planos a população de vida digna; a importância da igreja acompanhar e cobrar as prestações de constas dos governantes para que se tenha uma avaliação correta do tipo de justiça e dignidade que esses estão plantando na terra Brasil.
A igreja deve estimular na vida de seus adeptos a procura por meios que confrontem as lideranças políticas, econômicas e sociais que pervertem o direito e excluem grande parte das pessoas, sofredoras, em busca de sobrevivência, da plenitude da vida social e do conhecimento dos direitos adquiridos.
A voz do profeta Isaias deve ecoar na voz da Igreja de hoje. Urge que se busque a construção da Cidade Fiel, lugar onde a justiça possa passar a noite; ambiente em que o direito permeie todas as relações. Esta deve ser a utopia da igreja pastora em terras urbanas, sonho que podemos sonhar com Deus, pois o seu interesse é que a vida seja abundante.
Não se pode cair num negativismo que gere estagnação, mas deve-se, enquanto igreja, participar das lutas do povo, pois são legítimas, conscientizá-lo de seus direitos, e dar-lhes a grata noticia que Deus está do lado dos que clamam por justiça.
É tempo de bradar contra os líderes que se vendem e anunciar um novo tempo em que os líderes sejam resultado da intervenção de Javé e da participação democrática e consciente.
Concluindo, a pastoral da Igreja brasileira deve tentar incansavelmente abrir caminhos que visem à construção de uma cidade e sociedade justa por vias de uma hermenêutica bíblica que leve em conta os desafios citadinos. Deve empreender o esforço de concretizar o Reino de Deus, de trazer às cidades o amor e a vida plena que Deus oferece.

2 comentários:

  1. Muitas vezes, a igreja fica "olhando para o proprio umbigo", (desculpe o desabafo), o que precisamos de verdade não é um "profetismo hululante", como vemos por ai nesse Brasil e tambem no mundo. Ha muitos no "saleiro" e com suas "luzes", ofuscando a revés: para si mesmos.A Cidade Fiel não é utopia, mas sim possivel, podemos fazer a diferença quando de verdade ganharmos esses valores de Reino. O que o mundo (a cidade) precisa não é de "avivamento-triunfal", como se vê em alguns "guetos pseudoevangelicos"; mas sim do avivamento de mudança de caráter , que não precisa de "bandeirolas" e frase piegas mas ao contrario, acontece no exercicio da cidadania cristã que muda a história, (não so do individuo, mas da sociedade). A Igreja precisa exerçer seu papel politico, não para "ganhar terrenos em loteamento novo"(infelizmente isso acontece) ou benesses partidárias, dizendo com isso: " que está contribuindo para o crescimento do Reino de Deus". Deus não precisa da politica para estender seu Reino; o que Ele precisa é de cristãos comprometidos com o Reino, que fazem valer o poder de serem sal e luz do mundo, mas tudo isso so é possivel, quando a Igreja buscar de verdade o "avivamento-que-esclaresce-e-conclama-às-mudanças" na sua esfera de ação (tanto interna como externa), porque so assim a Cidade Fiel será uma realidade.

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  2. Concordo plenamente. Tenho trabalhado ao longo dos anos na área social e conversando com muitos da liderança da igreja a completa falta de percepção nesta área.

    Precisamos agir. Ações objetivas que façam diferença.

    Modelos? Que modelos? Acredito que a igreja local precisa criar seus próprios caminhos para ser influência onde quer que ela esteja, e faça diferença em nome de Cristo.

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