terça-feira, 23 de dezembro de 2008

TEMPOS DE RENOVAÇÃO - Ensaio sobre Novos Rumos para uma Eclesiologia das Igrejas Batistas da CBB - Parte I


I - TENDÊNCIAS ECLESIOLÓGICAS NA ATUAL

SOCIEDADE BRASILEIRA

É claro que se pode trabalhar com vários víeis quando o assunto é tendências eclesiásticas[1]. Basta um olhar na literatura que versa sobre esse assunto para se perceber o quanto de caminhos a eclesiologia tem tomado ao longo de sua história e principalmente em tempos atuais.

Para fins deste ensaio se deseja apenas abordar uma dessas tendências, a formação de uma sociedade de espetáculo, que a bem da verdade, é uma congruente de todas as demais por ser ora ação e ora reação da sociedade.

Uma Sociedade de Espetáculo

Jean Baudrillard [2] denominou nossa época de "a sociedade do espetáculo", o que é apropriado em grande medida. As grandes personalidades são formadas e deformadas pela onipresente TV, quem não conhece os dramas de uma Vera Fischer [3]; quem não cultua os novos ídolos Ronaldinho e Guga, esportistas brasileiros, consagrados no vácuo deixado pela prematura morte de Ayrton Senna "do Brasil"? Os grandes eventos históricos são aqueles televisionados para quase todos os países do mundo: a infame cobertura da guerra do Iraque, a estúpida morte de uma lady inglesa erigida em mito da solidariedade humana; o narcisismo coletivo exacerbado nas heróicas disputas por medalhas e pelo troféu nas Olimpíadas e copas do mundo. O maior fenômeno religioso neste fim de século no Brasil é a IURD[4], que representa as igrejas que surgiram no século passado e que dão a temática religiosa hoje no Brasil, igreja-teatro na análise brilhante do Rev. Leonildo Silveira Campos[5], que atrai multidões sedentas em experimentar o inefável e alcançar o inalcançável, e dita os comportamentos das demais igrejas, necessitadas de fazer frente à terrível concorrência que as assusta e ameaça roubar-lhes seus membros.

Os novos gostos litúrgicos, nas igrejas históricas, traem a sedução imagética. A imagem apaixona, o espetáculo seduz mentes, corações e corpos, e imperceptivelmente a igreja se transforma em um imenso teatro coletivo; o culto converte-se em arrebatadora performance das coisas que se deveriam esperar. Realidades escatológicas são temporalizadas, capturadas nas agradáveis sensações da confusa presença do sagrado no extasiante consumo dos novos cânticos, novos ritmos, novos gestos, novas palavras de ordem, novos ritos, meios sempre novos para se "performar" os mesmos e velhos ritos da celebração cristã do Crucificado. [6]

As cenas litúrgicas desencarnam a fé, esta, não mais, certeza das coisas que se esperam e convicção das coisas que não são vistas; o êxtase catártico substitui o ouvido atento para ouvir a Palavra de Deus; a emoção teatralmente liberada no espetáculo cúltico reafirma poderosamente a rejeição da racionalidade da fé. No espaço litúrgico [7] se santificam as necessidades humanas de auto-realização, satisfação, consumo, e conquista do ser, pois a realidade se tornou tão crua e violenta, tão escatológica, em sua irrealizável promessa de felicidade plena através do consumo, que só pode mesmo ser mitificada no tempo espiritualizado do encontro coletivo secreto com Deus, e sacrificada no altar das religiosas emoções purificadoras de nossas angústias, sonhos e incertezas.

Em meio a estas novas e sedutoras imagens-realidades [8], novo papel se descortina aos líderes da Igreja de Deus: o de catalisadores das expectativas dos atentos templo-espectadores; líderes performáticos, imagens visíveis do Deus invisível - homens de sucesso, realizadores de heróicas façanhas espirituais: tombos, curas, sinais, milagres e prodígios. Especialistas em emoções, em novidades litúrgicas, tornam-se, os líderes em personificações do desejo coletivo mal realizado de consumo; tornam-se, também, cada vez mais exigentes: maiores salários, maiores igrejas, maiores honrarias.

Há uma eclesiologia que gira em torno desse exacerbado encantamento pelo místico
[9], sem compromisso com o serviço e a transformação social em termos educacionais trazendo como resultado uma espiritualização da realidade, sem voz profética que denuncie, em nome de Jesus, as causas de deformidade social e política do país, e que aponte caminhos de solução [10].

Essa espiritualidade [11] fica sendo uma espécie de caricatura quando não enxerga os carentes e não é motivada por sensibilizar-se por eles; quando não conduz a libertação de suas condições de opressão e misérias sócio-político-econômico e, principalmente espiritual, como Deus deseja. Aliado a esse aspecto está à problemática da tônica das experiências, sem o necessário e conseqüente adensamento na Palavra pelo discipulado integral e solidário. [12]

Essa eclesiologia persiste num sistema hierarquizado e que apóia a institucionalização que dê suporte total para o “espetáculo” da sociedade hodierna.



[1] Ver literatura de OLIVEIRA, A. R. Igreja e seus ministérios - realidade e esperança. In: REFORMANDA, Londrina: Fundação Eduardo C. Pereira, n0 2, agosto/90.

[2] Pensador Francês que defende a espetacularização da realidade seguindo a lógica de que os signos evoluíram, tomaram conta do mundo e hoje o dominam. Os sistemas de signos operam no lugar dos objetos e progridem exponencialmente em representações cada vez mais complexas. O objeto é o discurso, que promove intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto. Atualmente, cada signo está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou valor de uso e troca a um só tempo. Os signos estão criando novas estruturas diferenciais que ultrapassam qualquer conhecimento atual. Ainda não sabemos onde isso vai dar.

[3] Atriz brasileira de tv que apesar de ser um ícone de bela lutou pela guarda do seu filho numa grande batalha judicial devido a problemas com drogas.

[4] Excelente trabalho nesse sentido pode-se encontrar em ALDONADO, L.M. Religiosidade popular: nostalgia de lo mágico. Madrid: Cristiandad, 1975;C.L. M.

[5] Ver artigo do autor: Igreja Universal do Reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de expansão. Lusotopie, 1999, pp. 355-367.

[6] Para um estudo mais apropriado sobre essa ´espécie´ de pluralismo religioso na essência do culto verificar STANLEY, J. Samartha, “Church in the world: A Hindu-chistian Funeral”, em Theology Today (Janeiro 2004). Esse artigo embora trabalhe a questão Hindu serve para parâmetro no estudo da pluralidade, embora mostre esse sem mencionar a palavra “pluralismo”.

[7] Ver interessante comentário em OLAKOWSKI, L.K. A revanche do sagrado na cultura profana. Religião e Sociedade, 1, maio de 1977 : 153-162 ; S. M.

[8] Excelente livro neste assunto: GUIMARÃES César, VAZ Paulo Bernardo, SILVA Regina Helena, FRANÇA Vera (ORG.) Imagens do Brasil – modos de ver, modos de conviver. Editora autentica: Belo Horizonte, 2004. p 248. Este livro mostra um conjunto de reflexões sobre a identidade brasileira. Identidade tomada como traço agregador, construção da imagem de si mesmo e do outro, que permite o auto-reconhecimento e a constituição do sentimento de comunidade.

[9] Isso devido à transcendência, a irredutível originalidade da Igreja através dos tempos que tornou impossível descrever em conceitos, menos ainda por uma metáfora seu credo e práticas da fé, obrigando pessoas despreparadas, mas lincadas com seu tempo, a darem sentidos diversos à mesma imagem criando imagens com grande peso místico.

[10] Ver notas importantes sobre o assunto no livro de STOTT, J. Evangelização e Responsabilidade Social. São Paulo: Mundo Cristão, 1978.

[11] Interessante texto sobre essa constatação se encontra no artigo de WESLEY, Luis. Igreja evangélica e missão: forca, presença e mudança no Brasil. In: Ultimato, novembro 1995.

[12] Este livro é o básico para quem quer aprender mais sobre discipulado: Richards, Lawrence - Teologia do Ministério Pessoal - Edições Vida Nova – 1985.

Um comentário:

  1. Olá, Pr. Excelente texto. Aliás excelente Blog. Cheguei até aki pelo informativo Batista.

    Veja: sou Psicólogo pela UFRJ. Tenho um blog onde faço uma analise dessa Teologia 'PsicoExistencial' da atualidade. Tento realizar uma análise psicológica desse fenomeno em pequenos ensaios onde postei lá no meu blog. Se te interessar em ler sobre essa dimensão desse fenomeno eclesiológico e liturgigo da pós-modernidade, lá vai:

    www.marceloquirino.blogspot.com

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